12.11.06
Despedida de um Amigo
Foi hoje entregue à terra que o viu nascer o corpo de um colega e amigo, que, na passada quinta-feira, havia sido acometido de um fulminante ataque cardíaco – enfarte – segundo a autópsia que lhe fizeram, sábado de manhã, acabou por determinar.
Morreu enquanto trabalhava. Terminou, assim, o seu ciclo de vida, a sua passagem por este mundo, como acreditam os cristãos, antes de meio século cumprido. Apesar de toda assistência que lhe prestaram, desde colegas, a pessoal médico do INEM e do Hospital, não foi possível fazê-lo retornar à vida.
Aos 49 anos, a vida despediu-se dele, ceifando-lhe todas as ambições, ilusões e esperanças.
Partiu cheio de apreensões : pelo sentido do mundo, pelo futuro dos filhos, pelo futuro da Democracia na era da Globalização, pela exequibilidade do País como Estado soberano, independente, pelo estado do Ensino, pela protecção social, pela assistência à saúde dos seus concidadãos, pela garantia das Reformas, pela exaustão dos combustíveis fósseis, pelas energias alternativas, pelo défice americano e pelo nosso, pela credibilidade perdida da Justiça, dos Partidos e da Política, pela importância da Ética nas relações humanas, pela iminência de uma guerra nuclear, etc., etc., etc. Tudo temas sobre que, amiúde, interessadamente conversávamos, com larga cópia de mútua concordância.
Já não debaterá, nem comigo, nem com mais ninguém, tanta ciência vã, tanta filosofia vaga, e o mundo seguirá o seu curso indiferente às suas apreensões.
Estava um lindo dia de sol morno, deste surpreendente verão de S. Martinho, dia sumamente aprazível, com aquela vista soberba ante nossos olhos, ali do alto do cemitério de Santarém, fronteiro às magníficas Portas do Sol desta nossa velha e altaneira Praça. Foi uma forma gentil que a Natureza encontrou de o receber no seu regaço, talvez procurando suavizar a brutalidade com que obscuros e caprichosos Fados abruptamente o haviam arrebatado dias antes.
Há pouco tempo, tínhamos estado a falar de Stefan Zweig, do seu trágico fim, a que se associou sua mulher, ocorrido no dia, para eles nefasto, de 22 de Fevereiro de 1942, na sua bonita casa de Petrópolis, Brasil, país que o seduzira e calorosamente o acolhera, na sua forçada fuga pelo mundo, quando a loucura nazi acometera também a sua formosa, antes pacata, pátria austríaca e devastava, então ainda triunfante, quase todo o continente europeu.
Em sentida homenagem a estes infortunados, aqui transcrevo uma das mais belas estrofes de «Os Lusíadas», a 106 do Canto I, que traduz, de forma sublime, toda a nossa permanente labuta pela vida e toda a fragilidade desta, na nossa condição de seres breves e indefesos perante a força bruta dos incógnitos Fados.
Zweig, que sabia português, traduziu estes impressivos versos do poema maior da nossa identidade colectiva, para a língua alemã e com eles mandou fazer uma iluminura, que depois remeteu a amigos e entidades, em cartões de Boas-Festas do Ano Novo de 1941, o penúltimo que haveria de festejar.
Leiamos, então, em memória destes nossos infelizes amigos, esta comovente estrofe, com o recolhimento que ela merece, pela meditação que encerra :
«No mar, tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida ;
Na terra, tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida !
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno ?»
AV_Lisboa, 12 de Novembro de 2006
Morreu enquanto trabalhava. Terminou, assim, o seu ciclo de vida, a sua passagem por este mundo, como acreditam os cristãos, antes de meio século cumprido. Apesar de toda assistência que lhe prestaram, desde colegas, a pessoal médico do INEM e do Hospital, não foi possível fazê-lo retornar à vida.
Aos 49 anos, a vida despediu-se dele, ceifando-lhe todas as ambições, ilusões e esperanças.
Partiu cheio de apreensões : pelo sentido do mundo, pelo futuro dos filhos, pelo futuro da Democracia na era da Globalização, pela exequibilidade do País como Estado soberano, independente, pelo estado do Ensino, pela protecção social, pela assistência à saúde dos seus concidadãos, pela garantia das Reformas, pela exaustão dos combustíveis fósseis, pelas energias alternativas, pelo défice americano e pelo nosso, pela credibilidade perdida da Justiça, dos Partidos e da Política, pela importância da Ética nas relações humanas, pela iminência de uma guerra nuclear, etc., etc., etc. Tudo temas sobre que, amiúde, interessadamente conversávamos, com larga cópia de mútua concordância.
Já não debaterá, nem comigo, nem com mais ninguém, tanta ciência vã, tanta filosofia vaga, e o mundo seguirá o seu curso indiferente às suas apreensões.
Estava um lindo dia de sol morno, deste surpreendente verão de S. Martinho, dia sumamente aprazível, com aquela vista soberba ante nossos olhos, ali do alto do cemitério de Santarém, fronteiro às magníficas Portas do Sol desta nossa velha e altaneira Praça. Foi uma forma gentil que a Natureza encontrou de o receber no seu regaço, talvez procurando suavizar a brutalidade com que obscuros e caprichosos Fados abruptamente o haviam arrebatado dias antes.
Há pouco tempo, tínhamos estado a falar de Stefan Zweig, do seu trágico fim, a que se associou sua mulher, ocorrido no dia, para eles nefasto, de 22 de Fevereiro de 1942, na sua bonita casa de Petrópolis, Brasil, país que o seduzira e calorosamente o acolhera, na sua forçada fuga pelo mundo, quando a loucura nazi acometera também a sua formosa, antes pacata, pátria austríaca e devastava, então ainda triunfante, quase todo o continente europeu.
Em sentida homenagem a estes infortunados, aqui transcrevo uma das mais belas estrofes de «Os Lusíadas», a 106 do Canto I, que traduz, de forma sublime, toda a nossa permanente labuta pela vida e toda a fragilidade desta, na nossa condição de seres breves e indefesos perante a força bruta dos incógnitos Fados.
Zweig, que sabia português, traduziu estes impressivos versos do poema maior da nossa identidade colectiva, para a língua alemã e com eles mandou fazer uma iluminura, que depois remeteu a amigos e entidades, em cartões de Boas-Festas do Ano Novo de 1941, o penúltimo que haveria de festejar.
Leiamos, então, em memória destes nossos infelizes amigos, esta comovente estrofe, com o recolhimento que ela merece, pela meditação que encerra :
«No mar, tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida ;
Na terra, tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida !
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno ?»
AV_Lisboa, 12 de Novembro de 2006
6.11.06
Palavras de Agradecimento
Só agora dei pela generosa referência do confrade do Misantropo Enjaulado aos artigos que aqui tenho escrito sobre o uso excessivo e grandemente descabido, por desnecessário, dos Estrangeirismos na Língua Portuguesa. Agradeço-lhe, naturalmente, a referência elogiosa.
Já por diversas vezes, nestes quase dois anos e meio de lides internéticas, tenho escrito alguma coisa sobre temas relacionados com a nossa Portuguesa Língua. Faço-o sem qualquer pretensão de sabença, mas porque entendo que este é um tema da cidadania, hoje mais premente que nunca e de que, desgraçadamente, os mais habilitados se têm alheado.
Apesar de ter enveredado por outros caminhos, que não os ínvios, longe vá o agoiro, mas os de uma carreira Técnica, ficou-me este gosto das Letras e, em particular, da Língua Portuguesa, de um excelente Mestre que tive a felicidade de ter encontrado no Ensino Secundário, o saudoso Doutor José Pedro Machado, um daqueles verdadeiros sábios, à moda socrática, a do grego, está bem de ver, que não perdia muito tempo com a divisão das orações, mas nos ensinava a compreender e a amar os Lusíadas, verdadeiro tesouro amoroso da nossa identidade colectiva.
Tão prodigiosa se revela esta obra que por ela se pode estudar um conjunto notável de vastos saberes : da Mitologia à História Antiga, das Línguas Clássicas à sua Literatura, à Astronomia, à Matemática, à Arte, à Geografia, à Navegação, até à História de Portugal, na sua parte mais brilhante, até ao fim da 2ª Dinastia, a de Avis, a da «Ínclita geração, altos infantes», como lhe chamou Camões.
De tudo isto se pode aprender naquela obra-símbolo da Portugalidade, talvez devesse dizer da Cultura Lusíada. Já houve mesmo quem a tivesse considerado o nosso maior escudo defensor contra uma possível pretensão anexionista ou absorcionista de Espanha, tal a força espiritual que a Nação Portuguesa dela pode retirar.
Infelizmente, quem tudo isto me ensinou, já cá não está e não pode, por isso, continuar a defender a sua excelsa dama, a Língua Portuguesa, como sempre fez, em vida, ao longo de décadas de estudo e de intervenção. Com a arte que logro convocar, procuro fazer o que, nesse âmbito, sinto ao meu alcance, esperando que os especialistas acordem para esta necessária batalha que tardam em travar.
Pode ser que agora, acicatados pela polémica da TLEBS (Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário), dêem um sinal mais vivo da sua existência, da sua participação cívica, fora dos casulos universitários onde por certo se acumulam e espraiam a sua erudição. Esta é como a força, que só por existir, não basta para produzir trabalho, sendo preciso que se aplique no seu hipotético alvo ou objecto com a direcção e o sentido adequados, para fazer deslocar esse seu ponto de aplicação, se me aceitam a analogia da Física.
Todos podemos e devemos defender a nossa Língua, base da nossa cultura de povo antigo, que não tem motivos para se envergonhar da sua História, pelo menos não mais do que os outros, a meu ver, antes pelo contrário, porque fez mais do que muitos deles, sendo quase sempre menos : em número, em recursos, em riqueza, em meios, em território, etc.
Urge, pois, sacudir estes complexos que certos intelectuais nos andaram a inculcar durante os últimos decénios, a pretexto da modernidade, do fim das Pátrias ou das Nações, se não mesmo da História.
Vê-se como estas vão acabando. Certamente acabarão para alguns, para os que, passivamente, acriticamente, aceitem tais teses, que não para os seus patrocinadores, que ganham quanto podem, alargando cada vez mais o seu domínio sobre os demais bons alunos das tais moderníssimas teses.
Mas este já seria outro tema, não menos interessante, não menos premente de discutir, mas fora do propósito que suscitou o presente texto, que era o de tão-só agradecer ao nosso amigo Paulo Cunha Porto, do Misantropo Enjaulado, as amáveis referências que fez a este modesto, mas persistente, cavouqueiro da ilustração lusíada : da passada, da presente e, em intenção, da futura.
Pauca sed bona / Poucas coisas mas boas : aqui como em tudo o mais.
AV_Lisboa, 05 de Novembro de 2006
Já por diversas vezes, nestes quase dois anos e meio de lides internéticas, tenho escrito alguma coisa sobre temas relacionados com a nossa Portuguesa Língua. Faço-o sem qualquer pretensão de sabença, mas porque entendo que este é um tema da cidadania, hoje mais premente que nunca e de que, desgraçadamente, os mais habilitados se têm alheado.
Apesar de ter enveredado por outros caminhos, que não os ínvios, longe vá o agoiro, mas os de uma carreira Técnica, ficou-me este gosto das Letras e, em particular, da Língua Portuguesa, de um excelente Mestre que tive a felicidade de ter encontrado no Ensino Secundário, o saudoso Doutor José Pedro Machado, um daqueles verdadeiros sábios, à moda socrática, a do grego, está bem de ver, que não perdia muito tempo com a divisão das orações, mas nos ensinava a compreender e a amar os Lusíadas, verdadeiro tesouro amoroso da nossa identidade colectiva.
Tão prodigiosa se revela esta obra que por ela se pode estudar um conjunto notável de vastos saberes : da Mitologia à História Antiga, das Línguas Clássicas à sua Literatura, à Astronomia, à Matemática, à Arte, à Geografia, à Navegação, até à História de Portugal, na sua parte mais brilhante, até ao fim da 2ª Dinastia, a de Avis, a da «Ínclita geração, altos infantes», como lhe chamou Camões.
De tudo isto se pode aprender naquela obra-símbolo da Portugalidade, talvez devesse dizer da Cultura Lusíada. Já houve mesmo quem a tivesse considerado o nosso maior escudo defensor contra uma possível pretensão anexionista ou absorcionista de Espanha, tal a força espiritual que a Nação Portuguesa dela pode retirar.
Infelizmente, quem tudo isto me ensinou, já cá não está e não pode, por isso, continuar a defender a sua excelsa dama, a Língua Portuguesa, como sempre fez, em vida, ao longo de décadas de estudo e de intervenção. Com a arte que logro convocar, procuro fazer o que, nesse âmbito, sinto ao meu alcance, esperando que os especialistas acordem para esta necessária batalha que tardam em travar.
Pode ser que agora, acicatados pela polémica da TLEBS (Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário), dêem um sinal mais vivo da sua existência, da sua participação cívica, fora dos casulos universitários onde por certo se acumulam e espraiam a sua erudição. Esta é como a força, que só por existir, não basta para produzir trabalho, sendo preciso que se aplique no seu hipotético alvo ou objecto com a direcção e o sentido adequados, para fazer deslocar esse seu ponto de aplicação, se me aceitam a analogia da Física.
Todos podemos e devemos defender a nossa Língua, base da nossa cultura de povo antigo, que não tem motivos para se envergonhar da sua História, pelo menos não mais do que os outros, a meu ver, antes pelo contrário, porque fez mais do que muitos deles, sendo quase sempre menos : em número, em recursos, em riqueza, em meios, em território, etc.
Urge, pois, sacudir estes complexos que certos intelectuais nos andaram a inculcar durante os últimos decénios, a pretexto da modernidade, do fim das Pátrias ou das Nações, se não mesmo da História.
Vê-se como estas vão acabando. Certamente acabarão para alguns, para os que, passivamente, acriticamente, aceitem tais teses, que não para os seus patrocinadores, que ganham quanto podem, alargando cada vez mais o seu domínio sobre os demais bons alunos das tais moderníssimas teses.
Mas este já seria outro tema, não menos interessante, não menos premente de discutir, mas fora do propósito que suscitou o presente texto, que era o de tão-só agradecer ao nosso amigo Paulo Cunha Porto, do Misantropo Enjaulado, as amáveis referências que fez a este modesto, mas persistente, cavouqueiro da ilustração lusíada : da passada, da presente e, em intenção, da futura.
Pauca sed bona / Poucas coisas mas boas : aqui como em tudo o mais.
AV_Lisboa, 05 de Novembro de 2006
2.11.06
Os Estrangeirismos e os Complexos Nacionais
Para conclusão do tema dos Estrangeirismos na Língua Portuguesa, ainda acrescentarei hoje mais algumas notas ao que já aqui afirmei.
A razão que me levou a escrever sobre este tema foi a continuada verificação da grande falta de atenção com que os nossos concidadãos assistem a esta presente praga, ditada, não por qualquer necessidade inelutável, que só em sectores muito restritos se observa, mas por exacerbado pedantismo de uns tantos, que, em lugares de relevo social, impõem esta mania, perante uma estranha passividade geral, em particular de quem detém conhecimento especializado destas matérias, mas que não intervém, deixando assim campo aberto a todo o tipo de abuso e abastardamento da nossa Língua.
Esta passividade nasce, a meu ver, do desinteresse em que caiu tudo o que se refere à cultura especificamente portuguesa, que deixou de ser acarinhada, incentivada e mesmo decentemente ensinada, desde os mais elementares graus de ensino até aos claustros das Universidades.
Apesar dos largos milhares de professores e alunos que o actual Sistema de Ensino congrega, o mesmo espírito de incúria para com as coisas nacionais se regista em todo o lado. E, uma vez que o interesse da cultura nacional cesse de motivar os Professores, naturalmente que este espírito contagia negativamente as mais novas gerações de portugueses, a quem aquele interesse não chega sequer a tocar.
As causas que, no presente, têm concorrido para este fenómeno são múltiplas e a sua gradação relativa porventura difícil de estabelecer. Para mim, tudo radica num grande complexo de origem política das elites político-culturais que foram sucessivamente ocupando o poder após a Revolução de Abril de 1974.
Fortemente causticadas pelo anterior regime de Salazar-Caetano, assumidamente não democrático, na sua origem e na sua longa duração, regime, como se sabe, de inequívoco pendor nacionalista, desenvolveram as elites que o combatiam uma aversão muito acentuada, uma espécie de alergia a tudo o que lhes parecesse sobrevalorização ou simples destaque de elementos ou factores que caracterizam a cultura portuguesa, sem se importarem com as consequências nefastas desta sua anómala atitude.
De modo convergente, a perda de autoridade dos Professores nas Escolas, até hoje nunca mais recuperada; a instabilidade dos programas oficiais emanados do Ministério da Educação, a maior parte dos quais incompreensíveis, confusos e contraditórios, logo, desmotivadores para aqueles seus imprescindíveis agentes, os Professores; a falta de autoridade das famílias sobre os jovens que foram crescendo entregues à «formatação cultural» televisiva, altamente deformadora, criaram o ambiente responsável pelo progressivo alheamento de todos, Professores, alunos e famílias, para com as matérias que formam o âmago da identidade portuguesa : a Língua, a Literatura, a História, a Geografia e as manifestações de cultura popular, como as Cantigas, as Danças, o chamado folclore nacional, as canções da música dita ligeira, mas também as Lendas, os Adágios, os usos e costumes das regiões, etc., incluindo a música erudita de inspiração nacional, como Viana da Motta, Luís de Freitas Branco e Lopes Graça, entre outros, estudaram, recriaram e ajudaram a divulgar, hoje sem apreço significativo, nem, muito menos, continuação.
Durante vários lustros, este foi o «líquido amniótico» da nossa cultura de raiz nacional.
Com o advento das teses do neo-liberalismo, de meados de 80 para cá, encontrando-se este ambiente cultural profundamente degradado, impreparado para qualquer esboço de resistência, todas estas tendências negativas se adensaram.
Desvalorizou-se, obviamente, a ideia de Pátria, que, já anteriormente, ficara sob a incómoda suspeição da sua génese filofascista, atacou-se, demolidoramente, o Estado nas suas funções normativas, fiscalizadoras e de protecção, sob o pretexto de se denunciar e combater a sua ineficiência, a sua propensão para o despesismo, o desperdício de recursos, etc., sem se prevenir que, uma vez este anulado ou diminuído para além do razoável, se entrega a Nação – outra palavra sob suspeita – ao arbítrio de novos poderes, mais difíceis de identificar, mas não pouco deletérios na sua acção, até pela sua multiplicação, além de actuarem, muitas vezes, sem nenhuma legitimidade, quando não mesmo sem sequer acautelarem a sua normal legalidade.
Neste enquadramento, a cultura nacional não podia senão definhar. Primeiro, pelos complexos das gerações formadas na chamada luta anti-fascista que, na sua obsessão combativa, foram destruindo esse rico filão da energia de um Povo, que é a sua cultura de raiz, a partir da qual ele fabrica a seiva que há-de alimentar todas as restantes manifestações superiores do seu espírito distintivo. Depois, pela fácil adesão do esmagadora maioria do Povo a outros tipos de cultura, de baixo valor intrínseco, que é veiculada em doses maciças, entorpecentes, pela generalidade dos meios de comunicação social.
Eis-nos, pois, assim chegados ao início do século XXI, o das grandes realizações tecnológicas, que absolutamente nos deslumbram, mesmo se a maioria não faz a menor ideia dos fundamentos científicos que as tornaram possíveis. Todos estes novos, maravilhosos, artefactos que os avanços científicos e tecnológicos nos têm proporcionado se usam hoje quase como fins em si mesmos, perdendo-se rapidamente a noção da sua primitiva função, da sua básica utilidade, para deles sobressair o seu papel grandemente alienante.
Parece, na verdade, perverso que, num momento em que a Humanidade dispõe de tantos instrumentos que lhe permitem aumentar o saber, o seu grau de dominação da Natureza, que nos deveriam habilitar a resistir a toda essa onda de alienação, que verdadeiramente nos rouba o ser, nos afasta de nós mesmos, da nossa profunda essência, ela acabe por arrastar-nos, submergindo-nos com todo esse mar de objectos que as subtis técnicas da Publicidade, do Marquetingue, nos colocam na frente, à nossa imediata disposição, ao «alcance de um clique». E não se pense que são apenas as pessoas intelectualmente mais desprovidas as suas vítimas priveligiadas.
Se há, de facto, coisa fácil de comprovar é que a alienação consumista atinge tudo e todos sem distinção de classe ou de riqueza, quer consideremos esta última condição do ponto de vista intelectual ou material, tal o fascínio que a superabundância de bens sobre nós exerce.
Contra tantos factores adversos, é difícil lutar para impor uma cultura diferente, se não houver um trabalho educativo de base, persistente, conjugado entre a Família, a Escola e as Instituições Sociais, em geral.
Mas, primeiro, é preciso que nos desembarecemos todos dos complexos ainda subsistentes para com a Cultura Portuguesa, procurando conhecê-la, estudá-la, divulgá-la e, sem nenhum acanhamento, defendê-la : do preconceito de alguns, da ignorância de muitos, tirando-a da sua actual «apagada e vil tristeza», pela pouca conta em que ela tem estado, pelo escasso caso que dela temos feito.
Aquilo que se passa com a Língua que falamos, excessivamente carregada de estrangeirismos de uso pedante, que não preenchem, na maioria dos casos, nenhuma falta real ou necessidade insuperável no Léxico vernáculo, é apenas um dos múltiplos sinais da enorme incúria com que tratamos os símbolos mais fortes da nossa identidade cultural.
Sem orgulho na sua cultura de raiz, dificilmente um povo consegue afirmar-se. E, sem esse esteio essencial, nada depois arranca : nem a recuperação económica, que, apesar de garantida, nunca mais se enxerga, nem o civismo, que não nasce no vazio espiritual e moral, nem muito menos, a nossa realização colectiva, como Comunidade progressiva, empreendedora, gozando de algum conforto, num estado de bem-estar social que nos faça sentir razoavelmente felizes, que, para isso sim, é que devemos viver.
Devemos viver para ser felizes. Para os religiosos, como encontramos em Santo Agostinho, este desígnio é assumido sem hesitação, porque para tal é que fomos feitos pelo Criador.
Para que fôssemos felizes nos terá Ele criado. E nessa condição viveríamos, não tivesse ocorrido o primeiro, o grande pecado original, do qual terá derivado toda a nossa fragilidade, toda a contingência do nosso ser, da nossa terrena peregrinação, outro pensamento de ressonância religiosa, mais exactamente, cristã.
Não se veja, porém, nestas alusões, ainda que de forma velada, qualquer intenção proselitista. Há muito que me persuadi de que até para os agnósticos ou mesmo ateus a convivência com os textos agostinianos é sumamente benéfica.
AV_Lisboa, 01 de Novembro de 2006
A razão que me levou a escrever sobre este tema foi a continuada verificação da grande falta de atenção com que os nossos concidadãos assistem a esta presente praga, ditada, não por qualquer necessidade inelutável, que só em sectores muito restritos se observa, mas por exacerbado pedantismo de uns tantos, que, em lugares de relevo social, impõem esta mania, perante uma estranha passividade geral, em particular de quem detém conhecimento especializado destas matérias, mas que não intervém, deixando assim campo aberto a todo o tipo de abuso e abastardamento da nossa Língua.
Esta passividade nasce, a meu ver, do desinteresse em que caiu tudo o que se refere à cultura especificamente portuguesa, que deixou de ser acarinhada, incentivada e mesmo decentemente ensinada, desde os mais elementares graus de ensino até aos claustros das Universidades.
Apesar dos largos milhares de professores e alunos que o actual Sistema de Ensino congrega, o mesmo espírito de incúria para com as coisas nacionais se regista em todo o lado. E, uma vez que o interesse da cultura nacional cesse de motivar os Professores, naturalmente que este espírito contagia negativamente as mais novas gerações de portugueses, a quem aquele interesse não chega sequer a tocar.
As causas que, no presente, têm concorrido para este fenómeno são múltiplas e a sua gradação relativa porventura difícil de estabelecer. Para mim, tudo radica num grande complexo de origem política das elites político-culturais que foram sucessivamente ocupando o poder após a Revolução de Abril de 1974.
Fortemente causticadas pelo anterior regime de Salazar-Caetano, assumidamente não democrático, na sua origem e na sua longa duração, regime, como se sabe, de inequívoco pendor nacionalista, desenvolveram as elites que o combatiam uma aversão muito acentuada, uma espécie de alergia a tudo o que lhes parecesse sobrevalorização ou simples destaque de elementos ou factores que caracterizam a cultura portuguesa, sem se importarem com as consequências nefastas desta sua anómala atitude.
De modo convergente, a perda de autoridade dos Professores nas Escolas, até hoje nunca mais recuperada; a instabilidade dos programas oficiais emanados do Ministério da Educação, a maior parte dos quais incompreensíveis, confusos e contraditórios, logo, desmotivadores para aqueles seus imprescindíveis agentes, os Professores; a falta de autoridade das famílias sobre os jovens que foram crescendo entregues à «formatação cultural» televisiva, altamente deformadora, criaram o ambiente responsável pelo progressivo alheamento de todos, Professores, alunos e famílias, para com as matérias que formam o âmago da identidade portuguesa : a Língua, a Literatura, a História, a Geografia e as manifestações de cultura popular, como as Cantigas, as Danças, o chamado folclore nacional, as canções da música dita ligeira, mas também as Lendas, os Adágios, os usos e costumes das regiões, etc., incluindo a música erudita de inspiração nacional, como Viana da Motta, Luís de Freitas Branco e Lopes Graça, entre outros, estudaram, recriaram e ajudaram a divulgar, hoje sem apreço significativo, nem, muito menos, continuação.
Durante vários lustros, este foi o «líquido amniótico» da nossa cultura de raiz nacional.
Com o advento das teses do neo-liberalismo, de meados de 80 para cá, encontrando-se este ambiente cultural profundamente degradado, impreparado para qualquer esboço de resistência, todas estas tendências negativas se adensaram.
Desvalorizou-se, obviamente, a ideia de Pátria, que, já anteriormente, ficara sob a incómoda suspeição da sua génese filofascista, atacou-se, demolidoramente, o Estado nas suas funções normativas, fiscalizadoras e de protecção, sob o pretexto de se denunciar e combater a sua ineficiência, a sua propensão para o despesismo, o desperdício de recursos, etc., sem se prevenir que, uma vez este anulado ou diminuído para além do razoável, se entrega a Nação – outra palavra sob suspeita – ao arbítrio de novos poderes, mais difíceis de identificar, mas não pouco deletérios na sua acção, até pela sua multiplicação, além de actuarem, muitas vezes, sem nenhuma legitimidade, quando não mesmo sem sequer acautelarem a sua normal legalidade.
Neste enquadramento, a cultura nacional não podia senão definhar. Primeiro, pelos complexos das gerações formadas na chamada luta anti-fascista que, na sua obsessão combativa, foram destruindo esse rico filão da energia de um Povo, que é a sua cultura de raiz, a partir da qual ele fabrica a seiva que há-de alimentar todas as restantes manifestações superiores do seu espírito distintivo. Depois, pela fácil adesão do esmagadora maioria do Povo a outros tipos de cultura, de baixo valor intrínseco, que é veiculada em doses maciças, entorpecentes, pela generalidade dos meios de comunicação social.
Eis-nos, pois, assim chegados ao início do século XXI, o das grandes realizações tecnológicas, que absolutamente nos deslumbram, mesmo se a maioria não faz a menor ideia dos fundamentos científicos que as tornaram possíveis. Todos estes novos, maravilhosos, artefactos que os avanços científicos e tecnológicos nos têm proporcionado se usam hoje quase como fins em si mesmos, perdendo-se rapidamente a noção da sua primitiva função, da sua básica utilidade, para deles sobressair o seu papel grandemente alienante.
Parece, na verdade, perverso que, num momento em que a Humanidade dispõe de tantos instrumentos que lhe permitem aumentar o saber, o seu grau de dominação da Natureza, que nos deveriam habilitar a resistir a toda essa onda de alienação, que verdadeiramente nos rouba o ser, nos afasta de nós mesmos, da nossa profunda essência, ela acabe por arrastar-nos, submergindo-nos com todo esse mar de objectos que as subtis técnicas da Publicidade, do Marquetingue, nos colocam na frente, à nossa imediata disposição, ao «alcance de um clique». E não se pense que são apenas as pessoas intelectualmente mais desprovidas as suas vítimas priveligiadas.
Se há, de facto, coisa fácil de comprovar é que a alienação consumista atinge tudo e todos sem distinção de classe ou de riqueza, quer consideremos esta última condição do ponto de vista intelectual ou material, tal o fascínio que a superabundância de bens sobre nós exerce.
Contra tantos factores adversos, é difícil lutar para impor uma cultura diferente, se não houver um trabalho educativo de base, persistente, conjugado entre a Família, a Escola e as Instituições Sociais, em geral.
Mas, primeiro, é preciso que nos desembarecemos todos dos complexos ainda subsistentes para com a Cultura Portuguesa, procurando conhecê-la, estudá-la, divulgá-la e, sem nenhum acanhamento, defendê-la : do preconceito de alguns, da ignorância de muitos, tirando-a da sua actual «apagada e vil tristeza», pela pouca conta em que ela tem estado, pelo escasso caso que dela temos feito.
Aquilo que se passa com a Língua que falamos, excessivamente carregada de estrangeirismos de uso pedante, que não preenchem, na maioria dos casos, nenhuma falta real ou necessidade insuperável no Léxico vernáculo, é apenas um dos múltiplos sinais da enorme incúria com que tratamos os símbolos mais fortes da nossa identidade cultural.
Sem orgulho na sua cultura de raiz, dificilmente um povo consegue afirmar-se. E, sem esse esteio essencial, nada depois arranca : nem a recuperação económica, que, apesar de garantida, nunca mais se enxerga, nem o civismo, que não nasce no vazio espiritual e moral, nem muito menos, a nossa realização colectiva, como Comunidade progressiva, empreendedora, gozando de algum conforto, num estado de bem-estar social que nos faça sentir razoavelmente felizes, que, para isso sim, é que devemos viver.
Devemos viver para ser felizes. Para os religiosos, como encontramos em Santo Agostinho, este desígnio é assumido sem hesitação, porque para tal é que fomos feitos pelo Criador.
Para que fôssemos felizes nos terá Ele criado. E nessa condição viveríamos, não tivesse ocorrido o primeiro, o grande pecado original, do qual terá derivado toda a nossa fragilidade, toda a contingência do nosso ser, da nossa terrena peregrinação, outro pensamento de ressonância religiosa, mais exactamente, cristã.
Não se veja, porém, nestas alusões, ainda que de forma velada, qualquer intenção proselitista. Há muito que me persuadi de que até para os agnósticos ou mesmo ateus a convivência com os textos agostinianos é sumamente benéfica.
AV_Lisboa, 01 de Novembro de 2006